Hoje eu levantei reclamando. Reclamei de não ser sábado, de acordar cedo, reclamei de sono.
Reclamei de não ter presunto. Reclamei de não ter café.
Reclamei do frio, reclamei de ter que caminhar meia hora pra ir trabalhar. Reclamei de ter que atualizar diários e corrigir provas. Reclamei por não ganhar chocolate de dia das crianças.
Reclamei do local do churrasco dos formandos, é longe demais.
Reclamei de uma turma barulhenta - até tirei um aluno da sala. Reclamei de ter que ir até o centro pra fazer um exame médio. Reclamei muito por que o médico pediu pra eu ficar 'nú' - já disse que odeio médicos?-.
Reclamei de fome. Reclamei muito, meu kibe recheado era pequeno e com pouca batata palha. Reclamei do suco que tava meio azedo e forte demais. Reclamei do preço.
Reclamei, pois meu ônibus iria demorar um bocado.
Reclamei por gastar mais R$2,50 de passagem pra voltar pra casa, no total, gastei R$15,00 indo pro centro pra fazer esse exame médico.
Reclamei de só ter um lugar sobrando, junto a um velhinho. Reclamei por não poder pegar a janela. Mas sentei.
Reclamei de um rapaz que subiu, daqueles que te dão uma caneta, dizem o motivo e pedem a colaboração de R$1,00, mas prestei atenção ao seu motivo.
Ao entregar a caneta - parece ser boa, uma caneta gel laranja, muito charmosa -, percebi que o velhinho ao meu lado abaixou a cabeça e não pegou caneta alguma. Não sei por que, mas aquilo me despertou a atenção. Fiquei parado, olhando, enquanto ele estava de cabeça baixa e os braços entre as pernas. Parei de reclamar e prestei atenção ao meu redor.
Comecei a ouvir o que o rapaz das canetas falava, era um projeto de recuperação de ex-dependentes químicos.
Procurei R$1,00 pra ajudar, pois reclamo mais dos que simplesmente pedem dinheiro a troco de nada.
O velhinho ainda me despertava curiosidade.
Ele estava lá, paradinho, olhando pra fora, com um ar meio triste. Aquilo me afetou. Eu não tinha 1 moeda, peguei uma nota de R$2,00 e comprei logo 2 canetas. Ofereci uma ao velhinho.
Ele me encarou com um olhar triste, olhos lacrimejantes...
Aceitou com um sorriso sem graça e agradeceu. Embrulhou a caneta num plástico, colocou entre as pernas e continuou paradinho olhando pra fora.
Não sei, uma tristeza bateu no peito.
As reclamações pararam, exceto uma: comecei a reclamar de reclamar tanto.
Enquanto eu tava de cara feia, reclamando de tudo, não conseguia enxergar outros velhinhos que poderiam ter estado ao meu lado, precisando de uma caneta, mas sem dinheiro para tal.
Meus olhos lacrimejaram.
Fiquei então curioso pra saber a história daquele senhor. Quem sabe ele era simplesmente mudo? Quem sabe ele precisava de fato daquela caneta? Quem sabe ele estava rindo do quão idiota eu estava sendo?
Não sei.
Não consegui perguntar nada. Só dei um tapinha nas costas e disse "Bom feriado senhor".
"Obrigado pela caneta, bom feriado", ele disse.
Vim pelo caminho pensando sobre. Parei de reclamar.
Pensei que nada acontece por acaso, não é possível
Lembrei do Edson refletindo no deck da Anchieta: "Olha o que Deus fez".
Se Deus existe, "Olha o que Deus fez" comigo.
Mudei o meu humor. Tô com vontade de abraçar o mundo e de dar canetas para todas as pessoas que eu sentir que dela precisam.
"Eu imagino Deus como a fonte de toda a energia que criou e mantém o equilíbrio
do universo.
Vejo Deus na flor e na abelha que lhe suga o néctar para produzir o mel;
e no pássaro que devora a abelha; e no homem que devora o pássaro...e no verme que devora o homem.
Eu vejo Deus em cada estrela no céu,nas minhas noites nas pousadas, e nos olhos
tristes de cada boi, ruminando na envernada...
Só não consigo ver Deus no homem que devora o homem, e por isso acho que ainda tenho muito o que aprender nesses caminhos da vida..."
Bom final de semana.
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Resumo...