30 de set. de 2008
E deitado ali, com a espada na mão e o escudo no braço, com feridas abertas e cicatrizes recentes, sentindo fome, frio e solidão, o soldado se lembra de quando era criança. Se lembra de seu velho pai, contando sobre grandes batalhas as quais cravou, exibindo marcas de guerra, encorajando o filho a seguir o mesmo rumo. Se lembra de sua infância perdida, pois a viveu num centro de treinamento de guerreiros.
E deitado ali, ele se lembra da primeira guerra que participou, guerra a qual até o presente momento estava lutando, guerra a qual o colocara ali, deitado no chão.
O guerreiro acreditou que um dia tudo aquilo acabaria, sem saber que estava em uma guerra sem fim, sem saber que o vencedor já havia sido declarado há séculos atrás. E agora está ali, deitado no chão.
A guerra o deixou insano, tirou o sorriso e a beleza de sua face, levou pedaços de pele e carne, arrancou-lhe um olho e deixara feridas abertas e feias cicatrizes por todo o corpo.
O guerreiro sente falta de sua casa, mas sabe que lá não pode chegar. Já não tem forças, não consegue levantar os braços, não consegue mover as pernas, mal consegue respirar.
O guerreiro se lembra das cabeças que fez rolar, de quantas pernas arrancou, de quantos berros e gemidos agonizantes escutou, enquanto cravava a espada no lombo de suas vítimas. O guerreiro tenta imaginar quantos outros guerreiros, que assim como ele, entraram naquela guerra, abandonaram sonhos de infância e, talvez, agora estariam como ele, deitados ali no chão.
"Será correto me arrepender agora?"
Não nobre guerreiro.
A guerra destrói o físico e o psicológico do Ser.
A guerra destrói sonhos.
A guerra substitui seu desejo por uma obsessão.
Tente se lembrar de que você entrou nessa guerra, ciente de que poderia sair ferido, quem sabe morto.
Você fez o que pôde, o possível e algumas vezes o impossível.
Agora não se culpe, por estar aí, deitado no chão.
A você, resta a espera pela morte. Você sabe que não chegará ajuda, você sabe que não há mais esperança. Se ela é a última que morre, a sua já está enterrada, guerreiro.
Reze, mas não por você. Reze para que outros guerreiros não entrem nesta guerra. Reze para que outras pessoas não sintam o que agora você sente: os braços pesados e quebrados, o sangue jorrando de todas as veias de seu corpo, as pernas imóveis, os dentes cerrados, os joelhos ralados, os abutres sobrevoando acima de você. Reze para que não precisem sentir falta de esperança, falta de perspectiva. Reze para que não acabem como você: à espera pela morte.
Descanse em paz, bravo guerreiro.